Por que que
ele dizia, por que não suportaríamos viver a vida se basta um nada
para nos privar dela? Um nada a traz, um nada a anima, um nada a mina,
um nada a leva. Não fosse isso, quem suportaria os golpes do destino e
as humilhações de uma bela carreira, as fraudes nas mercearias, o preço
dos açougueiros, a água no leite, a irritação dos pais, a fúria dos
professores, o berreiro dos suboficiais, a topeza dos bem aquinhoados,
os gemidos dos aniquilados, o silêncio dos espaços infinitos, o cheiro
da couve-flor ou a passividade dos cavalos de pau, se não soubesse que o
meu e o proliferante comportamento de algumas células ínfimas ou a
trajetória de uma bala traçada por um anônimo involuntário irresponsável
não viria inopinadamente fazer evaporar todas essas preocupações no
azul do céu.
Raymond Queneau
by Neh
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